22/10/2009

Do Mundo e dos Pesares

Não se pode chorar todas as lágrimas desse mundo tão salgado.
Invejei Atlas e quis sentir todo o peso do mundo nos meus ombros, como se isso fosse torná-lo mais leve.
Quantas vezes eu já não tentei..? E quantas mais eu já não senti?
Não é o mundo que pesa e sim as pessoas.
Mas o mundo é grande, como diria o poeta.
As pessoas não. Elas são pequenas e pesadas.
O mundo está coberto de penas tão pesadas quanto lágrimas verdadeiras.
Os pesares do mundo não cabem no meu colo, sou tão pequeno, sou tão pessoa.

11/10/2009

Batem à Porta de Minha Vida

Sinto baterem à porta de minha vida. São pancadas fortes e certeiras que põe todos os cômodos da minha mente a tremer. Encosto na porta trancada e grito:
-Quem aí vem e o que me traz? – Minha voz rouca e cansada, pálida como a velha porta de dobradiças enferrujadas.
-Não saberás só espiando pela fresta, rapaz! – Uma voz doce e compassada, mas está misturada com o vento forte do mundo externo a mim; o mundo bárbaro.
É inverno na minha vida, quase sempre inverno. A minha vida tem um lago, quase sempre parado. O lago está congelado, mas há muita vida nas suas profundezas, pena que ninguém as pode notar. A porta torna a sacudir:
-Aqui fora é frio, tenho fome e teu lago é congelado. Deixa-me entrar. – Sopra outra vez a voz, agora desvanecendo, embalada em segredo, sendo diluída no frio das minhas incertezas.
-Tenho medo do soprar de suas palavras, me parecem tão nebulosas! Além do mais, estou confortável aqui, sozinho. – Digo eu, tiritando de covardia.
-Estou morrendo – A voz agora tão apagada quanto um bater de folhas no vendaval.
A chave está perdida em algum lugar, no fundo de algum baú ou gaveta. Tenho muitas caixas onde guardo lembranças e gavetas onde guardo memórias. Sei que algumas nunca mais vou abrir. Achei a velha e pesada chave, já quase esquecida.
Estou girando a chave devagar. A mão não treme mais e sinto que tudo pode mudar:
-Quem sabe não é o verão que chega à minha porta? Quem sabe o lago não se descongela? – Penso quase sorrindo, não fosse a tamanha ansiedade e os olhos atentos à fresta que começa se abrir. A porta resmunga ao ser aberta lentamente.
Os meus olhos estão acesos de esperanças. Olho e não vejo nada num primeiro momento. Penso em me trancar novamente, no perigo que corro. Eis que uma criatura de formas puras como o gelo se forma à minha frente, e num só sopro, num só hálito, me congela para sempre.

07/10/2009

Música Para os Olhos

Há uma música que faz muitas lembranças vibrarem diante dos meus olhos, que quase sempre ficam brilhantes e marejados; diria tristonhos se não fosse o leve sorriso, quase invisível.
Os olhos apontados para algum nada vão se alagando com a música e transbordam. Eis que um passado vai se formando aos poucos, percorrendo as trilhas umedecidas e salgadas que rasgam o rosto.
E agora os olhos já não são mais nada. Estão perdidos no torpor confortável da nostalgia e só sabem ver lembranças. Boas ou más? Não conseguem diferenciá-las, apenas olham como crianças curiosas; como andantes que nunca chegam a lugar algum.
Tudo é e tudo foi música.

02/10/2009

Desventurado Companheiro Póstumo

Junto todos os meus morangos mordidos com os meus sonhos quebrados e ilusões desfeitas e mexo tudo com todas as palavras inúteis que aprendi durante a vida e sorrisos arrancados; Então te encontro em alguma rua, por acaso – claro - e me misturo a essa rara receita de vida (será?).
Eu quero viver também e ver e sentir e... Mas eu nem te conheço ainda! O que vai pensar quando me encontrar pela primeira vez? Não sei, não sei. Nunca fui de parâmetros, mas tenho medo de não atender as expectativas que você criou por todos esses anos.
Quando eu era pequeno - nem faz tanto tempo assim - eu nem pensava em você. Digo, até que pensava, mas não tinha essa realidade chocante, iminente... Associava-lhe com os desenhos! Pensava o seguinte: Estou lá, e você me encontra. Numa rua qualquer, avenida, num esbarrão ou pedindo alguma informação.
Jamais pensei ter que correr atrás de você; jamais pensei em correr atrás de nada. Tudo sempre chegou até meus pés sem o menor esforço - e não digo isso como soberba não! É terrível - Agora encontro você tão insolúvel, emblemático e imaculado.
Ah, é você, futuro. Sempre você, não é mesmo? Ah, desventurado companheiro póstumo, preciso mesmo ir ao seu encontro? É rua ou avenida? Vai me encontrar desprevenido, na fila do pão, de chinelos com meia? Ou então nos encontraremos num refinado teatro, no intervalo da peça?
Você é cego, futuro, e eu não enxergo muito bem. Espero poder te encontrar, por aí, seja em taverna ou em tribo, assoviando, feliz, com aquele sorriso de criança; aí sim eu saberei que é você.