29/12/2009

Sobre Poltronas Nostálgicas

Não que uma poltrona substituísse os braços cheirosos e macios de uma mulher, mas aquela até que cumpria bem o seu papel, abraçando e acolhendo de bom grado o homem amargurado, que pelas tardes se sentava ali fingindo ler o jornal enquanto só pensava nublado.
Nesse clima eterno de inverno passaram-se anos e a barba do homem já começava a apresentar alguns poucos fios brancos, ainda acanhados em sua face. A poltrona continuava lá, imponente, encarando o homem e deixava-o constrangido, pois atestava todas as suas dores.
Foi numa tarde como qualquer outra que o homem amargo decidiu não fingir ler o jornal; nem sequer o levou para a sala, simplesmente sentou-se na poltrona e olhou para frente. Espantou-se a princípio com o que viu: Uma janela. Quase tinha esquecido da velha janela!
Num desses impulsos típicos de criança, levantou-se e olhou através. Sem hesitar, abriu-a. Viu a rua, as vidas e seus donos passando pela calçada, crianças que brincavam com o verão. Então olhou para a casa da frente e seu lindo jardim; Olhares se cruzaram e então ouviu quase como uma profecia:
-Bom dia! – Numa saudação elegante, com um sorriso daqueles que contam tudo o que se precisa saber.
O sol se fez presente nos dois pares de olhos. Nunca mais usou a poltrona.

27/12/2009

Baile de Máscaras

As máscaras dançam ao som de tal música, música que é tocada pelo destino, ou acaso, se preferir. Todos estão felizes e as máscaras se completam. Acabada a música ou enfezados os participantes, as máscaras caem ocas e mortas no chão, frias. Então há uma surpresa: Outras máscaras já estão por baixo e assumem a dança.
Recomeça o baile e já não se sabe mais quem és, quem conheces, com quem dançastes.
Sim, a vida é um eterno baile de máscaras; eterno! Suas máscaras já estão prontas? Cuidado, a música vai começar.

23/12/2009

Mulher Dormindo Nua

No quarto de janela onde é sempre outono, os cabelos pretos estão esparramados na cama macia, cachos olorosos que dançam ao som da respiração.
O rosto fresco, de traços cortantes mesmo para uma vista insensível e calejada, faz com que se possa passar uma tarde inteira vendo-a dormir.
Passa os pés e pernas sob o lençol, que chia e treme em contato com a pele, bem como as folhas que farfalham lá fora.
E então esboça um sorriso quase invisível, misto de sono e fantasia, ameaça abrir os olhos e desiste com uma preguiça gostosa de se ver.
Agora se sabe por que nessa janela é sempre outono; não teve coragem de ir embora.

Dos Sonhos Dormidos

Sonhos, na sua composição mais básica, são feitos de medos e de desejos.
Pode-se deixar de enxergar ou ouvir, mas de sonhar, nunca.
Uma hora teus olhos hão de cair e a mente consciente baixará guarda, então há o espetáculo de toda noite: Seu subsconconsciente dança sensualmente com toda a sua verdadeira e intocável essência, aquela que você ainda nem conhece.

Eis que dessa dança atemporal sonhos vão florir, sem regras, preceitos da sociedade ou etiqueta.
Surgem somente como as coisas são (ou deveriam ser), perfeitas para seu próprio ser.
Sem dimensões ou qualquer coisa abstrata e insignificante que use números.
Podem ser sim até sombrios e luxuriosos às vezes, mas serão sempre você, a parte que esconde.

Há quem diga que sonhos são um ralo da mente
Mas ralos são depressivos demais e cheiram mal
Portanto eu diria que sonhos são uma válvula.

14/12/2009

Aos Brasis

Viva o Brasil das calçadas encardidas e encantadoras, o Brasil dos contadores de história em botecos de cada esquina, dos cabeleireiros que falam de samba e política.
Viva o Brasil das crianças que jogam bola nas ruas, das moças que cozinham feijão cheiroso pro almoço, da vida severina, dos vendedores de tapioca e yakissoba.
Viva o Brasil do imigrante, do migrante e da malícia. Viva o jeitinho brasileiro e todas as fitas isolantes, gambiarras e trambiques. Viva o Brasil malandro, o Brasil moleque.
Viva o Brasil da corrupção sem dono, explicita, passiva e cordial, o Brasil dos homens com cueca milionária, dos covardes, o Brasil de todos os santos, todos os povos, todos os ladrões e todos os tolos.
E por fim, viva este e os muitos outros Brasis que batem no peito de cada um que aqui vive ou viveu um dia.

07/12/2009

Compartilhar Uma Vida

Compartilhar uma vida! É isso que hoje se esqueceu. Aliás, não se sabe mais compartilhar quase nada, quanto mais uma vida. Compartilhar uma vida pode ser assim, cheio desses rabiscos de ingenuidade, momentos tolos de criança e borrões impetuosos de ardência, com todo desejo rubro típico dos amantes; Sempre ouvir cada palavra do outro como se fosse a coisa mais fascinante, mas isso de modo natural, com aquele brilho nos olhos, as mãos inquietas e o sorriso querendo brotar!
Poder falar mil horrores e depois rir da própria ignorância, ouvir mais outros dois mil horrores e desfaze-los todos com um beijinho sincero na ponta do nariz. Isso! Isso que é compartilhar uma vida: Não ter controle algum sobre a vida do outro, mas saber que ele está ali interagindo e respondendo à sua vida. Não tomar rédea nenhuma, jamais, mas mostrar que a estrada é longa e que ocasionalmente você está ali, inabalável, mostrando que compensa, com a força que mais bem representa tudo isso: O amor.

À Minha Desconhecida

Eu quero passar o meu amor inteiro no teu, embora ainda não a conheça. Sei que você está por aí, escondida de mim, num típico jogo de criança que sempre acaba em risadas irresistíveis em tardes preguiçosas. Depois dos cafunés, das promessas eternas (e passageiras), dos milhares de minutos tentando te convencer de alguma bobagem, te dar cada detalhe do meu dia como um presente único e quando você tirar meus cabelos dos meus olhos, poder ver que você continua recém saída do ventre das minhas paixões, feito uma aragem de verão.


Te encontro (dia desses)