18/12/2012

Bitucas Beijadas


Ela, moça nova, tinha uma cara de quem já se foi – e não era "foi" de ter ido, mas de ter sido. Já não era mais nada e procurava um lar em cada olhar estranho com seus exageros sociais.

Ausentada e faltosa dela mesma, acende muitos cigarros e as bitucas já fazem um grande público ao seu redor na calçada cinza. As bitucas todas beijadas por ela e todas aos seus pés, como garotos bonitos de branco calados e surrados.

Precisou de várias paixões assim, auto-destrutivas, até que o ônibus chegasse – e chegou. Ela subiu como quem vai à forca.

Será por isso que fumam tanto? Essa gente ansiosa queima tudo rápido
demais.

03/12/2012

Poema-Varal


As suas calcinhas secando junto com as minhas cuecas
num varal com pregadores coloridos
que eu orgulhosamente preguei na parede;
nossa parede.

Morar com você ia ser uma tarde fresca sempre:
eu te ensino a cuidar das plantinhas
e você vem com seus “sintagmas verbais”.
e sua linguística.

Então a gente vai assim dividindo mundinhos
e brigando pelo controle do som
e eu vou rir quando você fizer graça assim
toda torta dançando.

Todas essas cenas que me vêm na cabeça
são fotografias de um amanhã
São convites invisíveis que eu te faço
enquanto tomo banho
cantando

20/11/2012

Dos Poemas Andarilhos


Meus poemas não são tão bons
para ficar agulhando as pessoas
ou nenhum outro tipo de costura

Não escreverei um “poema-remendo”
nem um “texto-de-retalhos” (para usar no inverno)
nem tecerei retaliações passadas

Meus poemas são como meninos de rua
sem rima, pai ou mãe
jogados por aí eles batem nas portas;
batem nas vidas procurando qualquer coisa:
um lar
ou um prato de sopa.

25/10/2012

Caiçara



Tenho uma bicicleta caiçara pra andar de sorriso manso por aí, como quem anda beira-mar, molemente. Não que eu more na areia; quem dera! Eu moro no asfalto, mas sempre estou à beira. Beira-o-quê? Beira-eu-mesmo, beira-mim.

Dizem por aí que devemos ir pelas bordas, não é? Não consigo levar nada a sério em cima de uma bicicleta. Nem eu mesmo. Viro margem de eu mesmo, marginal, e me vejo
passar.

14/08/2012

Ventania e o Abacaxi


                Cambaleante na vida esse moço vai se tremendo todo. Corda bamba é arame farpado entre um trago e outro. Eu o vi carregando um abacaxi, sem sacola nem nada, como quem leva um troféu. Ninguém pode ver o bêbado fazendo essas coisas solenes, tomando sorvete, indo à feira de domingo ou sei lá que porra feliz.
                Todo bairro tem o seu "bêbado mestre" e insuportável para o povo é a pontinha do bem e do ingênuo em algo que já está roído. Roído ou ruído? No final tanto faz e fez, pois ele atravessou a avenida e houve um estrondo; acorde final: O abacaxi despedaçado no meio fio, sirenes e o rosto esfriou
quase sorrindo.

26/07/2012

Das Pedras


Imagine o problema que Reis tem com os grãos de areia: Tudo aquilo ali, não contido, molemente concreto; desesperariam-se? Reis gostam de pedras e outras concretudes.
            Jamais fui rei, confesso. Sempre à beira d’água, eu, os pés na areia e o mar. Andei e vi reinos de pedra, pessoas de pedra. Cantei que “todo caminho deu no mar”, mas ah!, reis devem odiar mais ainda
o mar.

09/04/2012

Marinteiro

Pinga sim
os olhos em mim
mas só se for pra brotar
nossas sementes guardadas no peito

Chora salgado
Chora gelado, menina
que lamberei a lágrima;
que te faço um mar inteiro

Mar inteiro, marinheira!
Levanta a vela que eu sopro o vento
Já é hora: vem, vamos

Enrosca tua ancora na minha
não fica aí sozinha
que gelado demais é esse mar
de gente