13/05/2014

Ficou uns dez segundos tentando achar a menina de cabelos compridos dentro daqueles olhos preguiçosos. A mente voa lá para os dezepoucos anos. Volta tão rápido que é de se assustar: na sua frente uma mulher inteira mesmo, com roupas e cheiro e trabalho de mulher. Ela fica encarando os olhos dele brilhando molhados “– Êee, que que você vai chorar agora, ein menino?”

Ele, sempre tão barbudo, sempre tão escondido atrás de grossos óculos, demorava muito tempo para dar conta da passagem do tempo. Contava nos dedos da mente e ia lembrando distraído de um dia e outro. Como podia aquela menina ter virado uma mulher assim “plop”!? “- É que eu lembrei, dona menina, de um dia que você me beijou a mão na porta da escola.”

Ela ria tão descarada e sincera – igualzinho sua irmãzinha pequena. Não era fazendo troça, mas era rindo do mundo. Estava dentro de uma roupa que era sempre cheirosa e apontava com o indicador para os cabelinhos que desciam de suas costeletas, ainda rindo: “-Dá um cheiro aqui, ó.”

Ela tinha um rosto de menina arteira, com sobrancelhas hiperativas e afiadas. Era linda quando sorria um sorriso escancarado de incontáveis dentes brancos – e mais linda ainda quando estava séria e concentrada em algo ou sendo muito brava. Com uma pele cheia de pintinhas, as pernas compridas e bem feitas eram um convite para andar pela vida. Dava de teimar com a vida às vezes “-Tô desanimada com tudo, sei lá.”, mas ria se achando esquisita depois.

Ele, que se achava tão de extremos, de ferro e de fogo, de fortes (e pretensas) opiniões e palavras, ficava iluminado pelo exemplo de não levar a vida toda sempre a sério – de não triturar a vida nos moinhos do pensamento de novo e de novo. A simplicidade da vida o ganhou, juntamente com os pés sempre tão frescos e de unhas pintadas. 

09/05/2014

Depois de alguns meses trancado em casa devido a um repouso pós-cirúrgico, eu quis sair para ver o mundo outra vez.

Fiquei extremamente ansioso no dia em que o médico me liberou e a primeira coisa que fiz foi subir minha quieta rua sem saída. Percebo então, ao dobrar a esquina, que o mundo continuava lá, inabalável e excessivamente mundo. Os senhores do boteco ainda jogavam dominó e as pessoas dentro dos carros ainda ficavam estranhamente egoístas às dezoito horas – “horário de pico”.

Então eu voltei pra casa e não consegui entender mais nada.